segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Do funeral do meu pai recordo o que todos traziam calçado. Uns o calçado do dia a dia, outros, algo melhor, outros ainda o primeiro par que encontraram em casa.
A minha mãe calçou o par de sapatos que o meu pai mais odiava:
"Deita isso fora! - dizia-lhe - Parece que não tens outros sapatos ou dinheiro para os comprar!"
Detestava-os. E ela levou-os, na derradeira despedida. Fez-me sorrir.Pela sua personalidade irreverente. Porque me lembrei das picardias dos dois. Sempre discutiram muito (quando o meu pai ainda tinha energia para o fazer), mas sempre se mantiveram juntos. Quase 35 anos de casamento. Outros tantos roubados pela doença, os que aí virão.
As minhas botas iam tremulas, inseguras dos passos a dar. Comandadas por pernas bamboleantes e fragilizadas. Não chegaram ao destino, não tiveram forças, simplesmente não conseguiram. Ficaram perto, a albergar os meus pés encolhidos, frios e carentes, mas a cópia perfeita dos dele.
E ali ficaram largos minutos.Até que se sentiram confiantes para dar os derradeiros passos até ao seu encontro. Mas já escondido, já abrigado na sua morada final.
Calcaram a terra, que aos poucos colocavam sobre ele. Permitiram que os meus dedos se encaracolassem, que descomprimissem e que aos poucos em conjunto com o resto dos meus membros, rumasse junto a casa.
O que trouxe do funeral do meu pai? A certeza de que ainda com dificuldade todos os passos que der serão por ti e para ti.

Descansa em paz, paizinho.
A saudade será constante até que a morte nos volte a juntar.

2 comentários:

  1. Este texto tocou-me... Ele certamente olha orgulhoso todos os passos que dás...os meus sentimentos <3

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  2. Só tu sabes o que sentes neste momento! Mas quero que saibas que podes contar comigo para o que precisares. Mereces todo o carinho neste momento! Beijinhos.

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