quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Querida Mãe

Quando era criança, foste um pouco ausente, a trabalhar longe de casa. Apenas te via aos fins de semana e sempre contrariada. Estava habituada á "vó" e ao "vô", com quem estava durante o dia ou ao "paizinho" com quem passava as noites.
Sempre te amei, mas parecias-me demasiado austera, demasiado distante. Ias e vinhas, sem grande esforço.

Um dia levaste-me contigo. Ainda me recordo. Arrancaste-me da minha cidade, do infantário, dos amigos e familiares, com quem convivia todos os dias. Foi muito duro. Lembro-me de chorar. Queria voltar para trás e esquecer esse momento.
Na minha nova morada, gozavam a minha pronuncia, o meu mimo, a minha dependência.
Estava tão infeliz, que tiveste de me trazer de volta.
Nessa altura odiei-te, por me tentares roubar a vida a que estava habituada e que tanto conforto me trazia! Só mais tarde percebi que me querias a teu lado. Que a obrigação profissional te fez estar longe do lar e que tu apenas tentaste levar o "lar" contigo.

A adolescencia foi um caos. Ao fim de 14 anos, voltaste a tempo inteiro para casa. E contigo trouxeste as regras, as obrigações, a figura da mãe.
Mais uma vez odiei-te.
Revoltei-me, fugi de casa, pensei no suicídio vezes sem conta. Levaste-me aos psicólogo, tomei calmantes (ou soporíferos, não me lembro bem), usei o sexo como escape, perdi o gosto pelos estudos, escrevi poemas cheia de raiva, ansiava pela independência...
Foram tempos complicados, dos quais não tenho saudades nenhumas.

Foi preciso chegar aos 18 anos, ter a minha primeira relação seria, amadurecer um pouco, para te começar a compreender.
A nossa amizade foi-se fomentando, tal como uma construccao, tijolo a tijolo, pedrinha a pedrinha.

Mais uma mão cheia de anos e eras a minha melhor amiga, a minha confidente, o meu pilar, a minha conselheira. E aí fui eu que fui embora: imigrei. Quis viver a minha vida, tal com tu o fizeste. Abandonei a nossa casa, a família, os amigos, o trabalho, a pátria. Fugi e comecei uma vida nova, longe de tudo e todos. Não por vingança, ou por necessidade de liberdade, mas porque precisava de saber que era capaz de o fazer. E assim aconteceu.
Tu apoiaste-me e foste visitar-me algumas vezes. Mesmo debilitada, depois de uma operação, com dificuldades a andar e ainda frágil, la foste tu. E como a tua cara e o teu sorriso, me traziam força!
Ao fim de um ano longe de casa, voltei. Não aguentei as saudades. Tal como em criança, todos aqueles rostos conhecidos me faziam falta. Os cheiros, as vozes, as palavras, os pequenos rituais que não valorizamos quando são rotineiros, mas que significam o mundo quando os perdemos.

Agora que já estou cá á quase 5 anos e apesar de vivermos em casas separadas, não saberia viver sem ti. Talvez por isso, sabendo que amanhã, te vão abrir de cima a baixo, que vais estar inconsciente, numa sala de operações, com a vida nas mãos de estranhos, tenho medo. Muito medo, querida mãe. Medo que me abandones, que nunca mais tenhamos as nossas discussões, as nossas idas ao cinema, as compras, as nossas conversas de mulher a queixarmo-nos dos respectivos homens das nossas vidas, as nossas visitas a Londres, as nossas semelhanças, cada vez mais óbvias. Quero que estejas la no meu casamento a chorar, quero que pegues na minha filha colo, quero, que me protejas e me acompanhes.

Hoje, aqui, sentada neste sofá, onde sempre te encontro. Tenho o coração nas mãos e mesmo ateia, peco a Deus, que te deixe tomar conta de mim, mais umas décadas.

Amo-te, querida mãe e sempre te amarei. Por favor, não me deixes.
"Sometimes I wish that I could freeze the picture
And save it from the funny tricks of time
Slipping through my fingers "

(Desculpem o desabafo, mas tenho que o fazer com alguém)

1 comentário:

  1. Há cartas de amor ridículas, como há cartas de amor maravilhosas, e esta pertence à segunda categoria.
    Sim, chamo-lhe uma carta de amor, de um amor muito profundo - uma declaração de amor tão comovente, que eu, dura como uma pedra,
    CHOREI!!!

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